sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Surto - não confundam com a banda, por favor!


Promessa é dívida: segue a resenha sobre o espetáculo "Surto", do grupo teatral Os Surtados. A quem interessar, a mesma resenha também está disponível na edição do jornal Maré Alta de hoje, dia 18 de janeiro.
Por Hugo Oliveira
Voltando para casa após ter assistido a peça “Surto”, do grupo Os Surtados, eis que escuto, já bem perto de meu aconchegante lar, um casal conversando a respeito do Big Brother Brasil. O papo está rolando dentro de uma residência, mas mesmo assim, as palavras soam claras. “Será que esse cara é gay mesmo, amor?”, indaga o marido. “Claro que não: ele só está fingindo!”, declara a esposa.
BBB? Casal discutindo? Verdade? Mentira? O que isso tem a ver com o espetáculo apresentado na última terça, dia 15 de janeiro, no Teatro Municipal de Angra dos Reis? Tudo. Ou nada. Ou uma mistura dos dois. Vejamos.
Os atores Rodrigo Fagundes – a siliconada Ângela Botox –, Flávia Guedes – a nordestina Aldefrênia –, Thaís Lopes – a apresentadora Oprah Isso – e Wendell Bendelack – a professora de teatro Jezebel –, que também são responsáveis pelo texto, concepção, interpretação, direção – com a inclusão de Cláudio Handrey – e figurino da peça, levam ao palco uma série de esquetes que retratam tipos bizarros, mas demasiadamente humanos. Com exceção de Aldefrênia, as outras personagens da primeira parte do espetáculo são interligadas pela crítica ao mundo das celebridades grotescas, além de validarem a famosa e atualíssima frase do pintor e figura central da pop art, o norte-americano Andy Warhol – 1928-1987 –, que proferiu ainda nos anos 60. “No futuro, todos terão seus 15 minutos de fama”. E toma-lhe a loira sarada que ficou famosa por realizar um número sem fim de operações plásticas e aplicações de silicone, a apresentadora sem nada a dizer que não hesita em apelar para o mau-gosto em busca do Ibope e a atriz mal-sucedida que, por não conseguir nada na grande mídia – novelas globais –, passa a ministrar workshops de interpretação voltados ao produto de maior sucesso da televisão brasileira.
O ponto fraco da parte inicial de “Surto” tem a ver com a ordem das cenas. A peça poderia apresentar um conceito um pouco mais definido se a personagem da ótima atriz Flávia Guedes tivesse alguma ligação mais forte com o tema recorrente do espetáculo, ou seja, a busca pela fama. As interpretações dos atores e atrizes são hilárias – vale lembrar que o público que quase lotou o teatro, em plena terça-feira, se escangalhou de rir –, apesar de algumas obviedades que, talvez intencionalmente, estejam presentes nos textos – será que poderíamos esperar por algo inusitado da boca de apresentadores televisivos de 2ª e/ou modelos turbinadas que só pensam em modelar o corpo para o próximo carnaval?
A última parte do espetáculo é a mais interessante, um “grand finale” às avessas: somos remetidos ao início de um fictício teste, onde outros personagens – incluindo o famoso Patrick Pax, do programa “Zorra Total”, interpretado por Rodrigo Fagundes – tentam conseguir um lugar ao sol, ou melhor, um lugar no palco, para uma nova peça que irá estrear. O ator convidado Renato Bavier interpreta o diretor da peça, que sai de dentro da platéia para o palco, injetando ainda mais realidade no que diz respeito ao universo surreal da arte, que às vezes, acaba agrupando mais despreparados aspirantes a celebridades do que artistas propriamente ditos.
As situações são tão absurdas que já no final da apresentação, que dura por volta de 1h30, uma brusca queda de energia fez o teatro ficar às escuras por uns cinco minutos, e arrisco dizer que todos pensaram algo do tipo “faz parte do show!”. Não fazia.
Todos os personagens passaram no teste, e ganharam o direito de participar de um musical baseado na música “Vogue”, de Madonna, que ganhou uma letra em português, muito atual – e crítica –, relacionada, é claro, às celebridades instantâneas e aos “talentos” baseados em peitos e bumbuns perfeitos.
Muito bem-intencionados esses rapazes e essas meninas da peça. Chegando em casa após o espetáculo, logo depois de ouvir o diálogo descrito no primeiro parágrafo deste texto, e de presenciar minha mãe assistir, vidrada, à oitava edição de um conhecido “show da realidade”, chego à seguinte conclusão. “Os ‘surtados’ somos nós”.

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